Boas-vindas, leitor. Esta conversa será breve.
Um de meus principais desígnios para este blog é o de publicar algumas aventuras e campanhas. Como prolegômeno, deixo aqui o delineamento de alguns princípios de criação, que podem ser úteis para adaptações ou o desenvolvimento de aventuras próprias. Os obcecados perceberão grande influêcia do quase xará Justin Alexander, ou, como conhecido por aí "The Alexandrian". Estas são minhas guias gerais:
Priorizar situações, não episódios lineares
É muito comum observar em aventuras publicadas o uso de certos "gatilhos de ação", sem os quais o enredo não se move. São trilhos rígidos, com expectativa de uma sequência única de desfechos até chegar ao final de tudo. Há, então, o "episódio 1", concluído com a morte de um NPC, que conduz para o "episódio 2", na qual um objeto sagrado precisa ser roubado para aniquilar o vilão maior, e então, o "episódio 3", que expressa o final da aventura. Se o jogador não faz algo dentro do esperado, como prosseguir? E se nunca entrarem no set do episódio 2?
Toda aventura irá começar em algum lugar, e, caso não seja uma campanha infinita, também irá desaguar noutro lugar. Mas forçar os jogadores a seguirem um roteiro linearizado não só é frustrante para os jogadores, como também o é para o próprio mestre. Uma aventura assim disposta é como um fio cru de espaguete: qualquer pressão em qualquer ponto o rompe facilmente. Não preciso dizer mais nada.
O que creio ser mais divertido é desenhar situações e possíveis reações, que movem peças narrativas organicamente. Não é preciso forçar os personagens a seguirem um roteiro. Há um enredo com objetivos e recompensas, mas não um romance pré-determinado. Não investigar as razões pelas quais alguém tenta assassinar um membro do grupo pode significar novas emboscadas, nas quais o grupo se vê em situação muito desvantajosa por falta de planejamento. Roubar um nobre pode gerar investigações rigorosas que, mais cedo ou mais tarde, colocarão os personagens em sérios apuros. Nada disso será uma surpresa, pois há uma explicação nítida de causa e consequência. Deste modo, o princípio da causalidade, regido pela intuição do mestre, deverá indicar qual é o próximo passo na aventura. Novamente: ela pode acabar, pode até ter poucas condições de desfecho (como a morte de um inimigo ou a descoberta de um sabotador), mas jamais terá um único caminho até lá.
Criar peças dinâmicas, que seguem suas próprias vidas enquanto os personagens de jogador agem no mundo
Essa é uma consequência direta do primeiro pilar. Personagens que gastem muito tempo na casa de apostas e roubando pessoas aleatórias na rua, ao mesmo tempo que uma demanda urge, certamente deverão ter maior dificuldade em atingir seus objetivos. Você não precisa fazer uma linha do tempo perfeita, hora a hora. É possível abstrair estes elementos com reações do tipo "se eles enrolarem muito em tal lugar, se ficarem provocando NPC's, aquele mercador que deveriam interrogar partirá para outro lugar". Por óbvio, nenhum mestre deve remover todas as chances de um grupo recuperar o tempo perdido. É um jogo, queremos aproveitá-lo ao máximo. Se o "bonde partiu", deixe pistas ou indícios do desafio que lhes aguarda para prosseguir.
NPCs possuem motivações e descrições claras, mas diretas ao ponto
Memorizar páginas e páginas como pano de fundo para um único NPC é intimidante quando não somos nós que o criamos. É possível capturar a essência de um NPC com alguns tópicos, e uma descrição breve ajudará a mantê-lo vivo em sua mente. Uma diminuta biografia ajuda a explicar as motivações e dar mais profundidade à interpretação.
Pessoalmente, evito fazer fichas completas para NPC's, mesmo antagonistas principais. Listo apenas atributos e perícias relevantes, e, no caso de GURPS, não uso o esquema de pontos e improviso vantagens e desvantagens, porque o jogo não precisa ser balanceado. Não há ciência que defina equivalência de pontos em todas as situações. Um personagem com 75 pontos centrados em aspectos sociais e furtivos não será tão eficiente em combate quanto outro com o mesmo número de pontos alocados em violência crua. Importante é ter clareza nas implicações mecânicas de cada aspecto, e acabou-se. Se algum item ou recurso for relevante, liste-o para não esquecer.
Criar ambientação viva e consistente
Antes de fazer uma masmorra, penso sempre em sua história, motivos de existir. Gosto de criar ecossistemas consistentes, com alguma explicação, por mais bizarra que possa ser. Não quero jogar 1d6 goblins, 2d6 homens-fungo e 1d3 minhocas gigantes em encontros aleatórios dentro de uma fortaleza populada essencialmente por bandoleiros humanos.
O entorno da masmorra ou aventura também é importante. Quais são as cidades próximas? Por que ninguém descobriu essa masmorra antes? Por que o empregador precisa dos personagens? Como a cidade-base da aventura subsiste?
Não se espera que uma aventura chegue ao prêmio Nobel. Alguma inconsistência pode passar, e está tudo bem. Outros detalhes podem ser improvisados na hora, e dispensam anotações profusas. Em algumas aventuras que criei, muitos aspectos foram gerados apenas quando sua necessidade se desvelou, motivada por ações de certos personagens. Não é necessário criar tudo de uma vez (a menos que se divirta muito com isso), pegue leve, é só um jogo.
Assim, nas publicações vindouras, perceba que nem tudo estará definido a priori. Você, como mestre, deverá preencher as lacunas situacionais com sua intuição e inventar outros NPCs, cidades e problemas. No mais, deixe que seus jogadores resolvam o resto por si.
Belo texto! Criar aventuras ou se munir adequadamente para meditar as prontas exige um tempo, poupa-lo indo direto ao ponto é excelente. E tempo è precioso quando somos adultos.
Se for possível, seria legal um texto desse tema: como otimizar o tempo de mestragem. Suas no texto dicas já ajudam, mas já pensou um texto só para isso?