Hoje o jogo de RPG "solo" é mais popular do que nunca. Existem muitos sistemas que ajudam a moldar esse estilo, mas, para quem não conhece o assunto, tal estilo possui duas propriedades perenes:
a) Não há mestre, mas um "oráculo";
b) O jogador cria cenas, personagens e desafios conforme uma dialética entre seus desejos e perguntas ao dito oráculo (que podem ser do tipo "sim e não", ou mais detalhadas).
Se esse resumo introdutório é muito místico para você, há muita gente explicando o conceito por aí (veja este post, por exemplo). Não é meu desígnio explicar como se joga agora.
O que sim me interessa é expandir uma tese pertinente, qual seja, que a diversão de uma sessão de RPG solo é proporcional à quantidade de provocações inusitadas que se colocam contra nossa imaginação. Somos bichos muito curiosos, queremos entender e dar sentido aos padrões que a natureza nos oferece.
Ao interagirmos com outras pessoas, é impossível prever, com precisão milimétrica, suas reações às diversas situações que emergem em uma mesa de jogo. Não é à toa que um dos mais famosos aprendizados de mestragem é: "você nunca vai prever o que seus jogadores irão fazer". Todavia, quando estamos sozinhos, o contrário é mais comum. Quer dizer, você conhece bem suas preferências, e as soluções que surgem não parecem inusitadas.
Para jogar sozinho e se divertir, é preciso ter algo que nos force a sair do óbvio e imediato, e as tabelas aleatórias são as ferramentas mais poderosas para isso. Junto com a rolagem de dados, elas se transformam em uma entidade à parte que mantém o véu do futuro mais opaco, dando a ilusão de que não estamos mais sós, mas que há alguém nos provocando, para usar a expressão que elenquei na tese acima.
Já abordei a geração de NPC's aqui, e o anexo do Loremaster permite a criação de milhões de missões e cenas para começar o jogo, mas restou uma grande lacuna para completar a experiência: a exploração (era o passo lógico mais natural, depois de ter escrevido tanto sobre isso recentemente).
Naturalmente, o coração desse post é trazer uma tabela aleatória que torne explorações mais interessantes. Vamos lá.
Usando a tabela
O funcionamento da tabela é simples e ela foi projetada para ser o mais abrangente possível, podendo ser usada em desertos, florestas, montanhas ou até mesmo em viagens interplanetárias. No entanto, é responsabilidade do usuário conectar os pontos de forma coerente.
Siga os passos abaixo:
Role 3d6 e concatene os resultados (e.g. a rolagem de "1", "3" e "6" significa que se deve buscar a entrada "136");
Anote o resultado e repita o processo até obter três palavras (se quiser, considere que repetições indicam uma ênfase maior na palavra).
Com as três palavras definidas, crie um enredo consistente que as envolva no contexto da exploração.
Você é livre para rerolar palavras, mas evite descartar dificuldades logo de início. Situações muito interessantes emergem de combinações inusitadas.
Gerador de encontros aleatórios para explorações:
D666 | Chave |
111 | Fúria |
112 | Caça |
113 | Ferida |
114 | Sangue |
115 | Coletivo |
116 | Insetos |
121 | Grande |
122 | Forragem |
123 | Praga |
124 | Território |
125 | Emboscada |
126 | Raridade |
131 | Acasalamento |
132 | Rivalidade |
133 | Escassez |
134 | Migração |
135 | Solitário |
136 | Dominância |
141 | Morte |
142 | Comum |
143 | Fora de lugar |
144 | Augúrio |
145 | Instinto |
146 | Perseguição |
151 | Dificuldade |
152 | Esconderijo |
153 | Covil |
154 | Caverna |
155 | Hostilidade |
156 | Veneno |
161 | Doença |
162 | Camuflagem |
163 | Sono |
164 | Tesouro |
165 | Relíquia |
166 | Paisagem |
211 | Desespero |
212 | Clima |
213 | Ajuda |
214 | Refúgio |
215 | Construção |
216 | Cultivo |
221 | Facção |
222 | Salteador |
223 | Procurado |
224 | Vingança |
225 | Carniça |
226 | Estranho |
231 | Perigo |
232 | Ambiente |
233 | Escondido |
234 | Rastros |
235 | Pegadas |
236 | Rastejante |
241 | Restos |
242 | Ossos |
243 | Trilha |
244 | Passagem |
245 | Água |
246 | Ar |
251 | Terra |
252 | Fogo |
253 | Aplacado |
254 | Bifurcação |
255 | Barreira |
256 | Armadilha |
261 | Corpo |
262 | Ponte |
263 | Acampamento |
264 | Desafio |
265 | Cobertura |
266 | Poço |
311 | Crueldade |
312 | Decisão |
313 | Profundo |
314 | Demarcação |
315 | Desvio |
316 | Sujeira |
321 | Distante |
322 | Elevação |
323 | Encontro |
324 | Medo |
325 | Fertilidade |
326 | Fruto |
331 | Brilho |
332 | Minério |
333 | Rosnado |
334 | Névoa/Poeira |
335 | Herbívoro |
336 | Carnívoro |
341 | Ervas |
342 | Lar |
343 | Insano |
344 | Intimidante |
345 | Letal |
346 | Trancado |
351 | Perdido |
352 | Marco |
353 | Viagem |
354 | Valioso |
355 | Monstruoso |
356 | Ninho |
361 | Místico |
362 | Portentoso |
363 | Oportunidade |
364 | Paradisíaco |
365 | Precioso |
366 | Rápido |
411 | Renegado |
412 | Resgate |
413 | Ressoante |
414 | Recursos |
415 | Segredo |
416 | Sensação |
421 | Grito |
422 | Sinais |
423 | Inclinação |
424 | Cheiro |
425 | Súbito |
426 | Surpresa |
431 | Sobrevivência |
432 | Terror |
433 | Subterrâneo |
434 | Vista |
435 | Vulnerável |
436 | Útil |
441 | Selvagem |
442 | Sepultura |
443 | Destruição |
444 | Mapa |
445 | Material |
446 | Obstáculo |
451 | Barulho |
452 | Escalada |
453 | Desmoronamento |
454 | Abertura |
455 | Lápide |
456 | Relevo |
461 | Buraco |
462 | Escavado |
463 | Precipício |
464 | Plano |
465 | Símbolo |
466 | Estátua |
511 | Caveira |
512 | Pequeno |
513 | Dejetos |
514 | Quebra |
515 | Labirinto |
516 | Imprevisto |
521 | Fosso |
522 | Risco |
523 | Pedra |
524 | Planta |
525 | Flor |
526 | Beleza |
531 | Objeto |
532 | Iluminação |
533 | Força |
534 | Vítima |
535 | Alto |
536 | Baixo |
541 | Isolado |
542 | Ninhada |
543 | Indício |
544 | Massacre |
545 | História |
546 | Decomposição |
551 | Equipamento |
552 | Pista |
553 | Guia |
554 | Navegação |
555 | Queda |
556 | Natural |
561 | Fuga |
562 | Curiosidade |
563 | Perto |
564 | Desastre |
565 | Vulto |
566 | Ameaça |
611 | Asco |
612 | Agrupamento |
613 | Importante |
614 | Perda |
615 | Ornamento |
616 | Sagrado |
621 | Canto |
622 | Enxame |
623 | Bando |
624 | Peculiar |
625 | Riqueza |
626 | Abandonado |
631 | Pilha |
632 | Silêncio |
633 | Oculto |
634 | Velho |
635 | Montaria/Veículo |
636 | Região |
641 | Vento |
642 | Condição |
643 | Textura |
644 | Corrosão/Erosão |
645 | Lento |
646 | Vestígio |
651 | Tragédia |
652 | Verme |
653 | Preso |
654 | Equilíbrio |
655 | Aliado |
656 | Descoberta |
661 | Entrada |
662 | Ruína |
663 | Tumulto |
664 | Necrópole |
665 | Fortaleza (e.g. castelo ou quartel) |
666 | Diabolismo |
Vejamos alguns exemplos:
Contexto: Fantasia Medieval
Palavras-chave: "Solitário", "Massacre", "Praga"
Situação emergente: Ao vagar perdido pelas Montanhas Castanhas, o personagem encontra uma criança desorientada com pústulas disformes ao longo do corpo, na entrada de um vilarejo. Ao seu redor, há uma dezena de corpos ensanguentados e chamuscados, todos contendo as mesmas pústulas. O vilarejo está em chamas, e um rápido olhar indica que pessoas montadas estiveram ali há pouco tempo. A criança se aproxima do personagem em prantos. Há tempo para salvação? Que o oráculo ajude a desvendar isso!
Contexto: Exploração Espacial
Palavras-chave: "Rosnado", "Armadilha", "Solitário"
Situação emergente: A nave recebe um sinal de socorro, mas o personagem só consegue ouvir um rosnado canino, acompanhado por alguns latidos. Não há outro som, além do cão. O personagem decide investigar, visto que não gostaria de abandonar o animal à cruel inanição. Porém, ao aproximar-se do local, o radar aponta três naves velozes saindo de um campo de asteróides avizinhado. Por que essa armadilha? O que há na nave do cachorro?
Contexto: Guerras Napoleônicas
Palavras-chave: "Imprevisto", "Minério", "Súbito"
Situação emergente: Sobrevivido à batalha de Trafalgar sob o comando do valoroso almirante Nelson, a armada efetua uma parada em uma ilha para calafetar alguns navios danificados. Há tempo ocioso, mas também é um bom momento para forragem. Em uma excurção, o personagem falha sua percepção e cai em um buraco, recebendo danos mínimos. Ao nortear-se, percebe que um brilho estranho é refletido pela tênue luz que ainda chega no local. Será ouro puro? Ou será o indício de um tesouro escondido? Talvez seja um altar amaldiçoado com oferendas de ouro e prata?
Se você não estiver usando um sistema solo com regras para combates e encontros aleatórios, sugiro que adicione os passos abaixo para melhor direcionar a cena:
Chave de cena: isso determina que categoria de encontro emergirá das palavras-chave, ou seja, o fio condutor da cena.
1d6 | Chave |
1 | Combate |
2 | Conhecimento |
3 | Recurso |
4 | Social |
5 | Desafio natural / Clima |
6 | Tesouro |
Magnitude de encontro: caso o encontro envolver inimigos ou qualquer tipo de NPC, essa tabela define quantos estão presentes:
1d6 | Entidades presentes |
1 | Apenas 1 |
2 | 1d6-3 (mínimo de 1) |
3 | 1d6-1 (mínimo de 1) |
4 | 1d6 |
5 | 2d6 |
6 | 3d6 |
Não se deve pensar em balanceamento. As coisas são como são, o problema é seu em averiguar como sair de possíveis perigos extremos.
Por fim, esse exercício também funciona para mestres empacados no desenho de encontros aleatórios possíveis. Em vez de colocar aquela abobrinha de "1d6 goblins" porque falta inspiração, tente usar a tabela acima (ou as demais que mencionei), e veja seus encontros ganharem mais profundidade e propósito. Creio que não irá se arrepender.
Sem mais por agora.
Aquele abraço.
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