Saudações, viajantes. O tema do qual quero abordar aqui vai bem ao propósito que nos congrega nesta estrada.
Por muitos anos, o famoso hexcrawl foi a base de todos os meus jogos orientados à exploração de ermos, seja como mestre ou jogador. No começo, todos se empolgavam. Gastávamos horas para comprar equipamentos e meticulosamente pensar em cada etapa da expedição enquanto aprendíamos a arte do montanhismo como escoteiros ávidos. Era o ritual de preparo do mestre fazer um mapa detalhado dividido em hexágonos horizontais (porque estes correspondem bem às direções cardeais e colaterais), com a esperança de que os jogadores se sentissem em um parque de diversões, enfim, aquele conceito vulgarmente chamado de "sandbox". Cada dia de viagem era um hexágono distinto, com riscos de se perder e contabilidade de suprimentos consumidos. Rolava-se 1d6 a cada tanto para definir se havia um encontro aleatório, e, caso ocorresse uma série considerável desses, a morte era certa. Coitado daquele que negligenciasse bendita e mui necessária água! Não que eu ache a administração de suprimentos ruim, eu ainda a aprecio bastante, mas, com a hiperexposição, o esquema geral começou a ficar menos atraente para mim.
Descortinar palavras poéticas para descrever cada hexágono em viagens de muitos dias passou a ser uma tarefa desgastante, encontros aleatórios ficaram insípidos e redundantes. Já não aguentava mais aquelas tais 1dX criaturas com outras 1dX para apimentar o jogo, tudo isso a uma distância de tantos metros e um teste de reação, se fosse aplicável. Quando a viagem era curta, isso até me era tolerável. Mas sempre queria explorar mais e mais, e assim, o que era mágico passou a ser rotineiro e tedioso. Eis que chegamos à questão: abandonar o hexcrawl? Substituir pelo engenhoso pointcrawl? Não queria desistir da exploração, só queria que fosse mais direcionada, mais bem realçada. Mas o que fazer?
Imagine, em filmes como "O Senhor dos Anéis", se fossemos forçados a assistir a jornada em escala e tempo real? São milhares de quilômetros! Quantos dias deverão ser dispendidos com aquela rotina básica de "faço uma ronda, subtraio ração e água, investigo aquele barulho [inserir encontro aleatório qualquer], faço meu descanso longo e acordo para decidir o próximo movimento"? Não. Isso seria uma tortura. Então por que nos torturaríamos assim em um jogo? Não é preciso.
Existem muitas saídas interessantes. Muitas mentes sagazes pensaram sobre isso. Mas quase todas estavam mais ou menos embrenhadas nos modos de pensar do D&D. Nada contra, mas já me saturei disso.
Eis que, depois de relembrar as regras de Call of Cthulhu vendo um vídeo aleatório do Seth Skorkowski que surgiu em meu feed, pensei nas regras de "fuga e perseguição" ali explicadas. Talvez um pouco complicadas para alguns, mas muito interessantes de qualquer modo. Um resumo das partes relevantes:
O mestre estabelece um número de pontos em uma reta, cada um representando um local ou cena de perseguição. Digamos, se os personagens estiverem em um carro perseguido por viaturas, cada ponto poderá representar uma esquina ou cruzamento. Não é preciso ser linear, o mestre ávido pode criar bifurcações e labirintos complexos, se assim for de seu desejo. Em seguida, posiciona os perseguidos em um dos pontos, a uma distância razoável do perseguidor. Isso depende de certos fatores, como a diferença de velocidades entre os envolvidos. Cada cena possui alguns desafios, de acordo com regras que não irei transpor aqui. Por exemplo, em algum momento da perseguição, pode ser que o farol fique vermelho, e um teste de direção decidirá se o carro desvia ou não do tráfego perpendicular.
O jogo fica emocionante, e, com os riscos variados, cada cena oferece seu brilho único.
Agora, como transpor isso para o cenário de exploração? Eis as regras que estou arquitetando e testando na medida do possível:
Jogadores indicam para onde querem ir e uma rota de sua preferência. Embora eu prefira que o mapa lhes seja revelado para ganhar tempo, você não precisa disso. Em uma exploração, todos os jogadores devem saber ao menos para onde querem ir, visto que possuem um objetivo em mente.
O mestre decide a distância e divide a jornada em cenas. Se os jogadores não souberem o que lhes aguarda no mapa, caso o mestre queira que eles mesmos mapeiem sua jornada, apenas indique a magnitude geral da viagem.:
Distância | Sugestão em dias de viagem/hexágonos | Número de Cenas |
Curta | Até 2 | 1 |
Média | 3 a 4 | 2 |
Longa | 5 a 7 | 3 |
Muito Longa | 8 a 15 | 4 |
Épica | 16+ | 5+ |
O mestre distribui cada cena ao longo da jornada, especificando o intervalo de dias entre cenas, para que se tenha noção dos recursos a serem consumidos. Se não há fontes de água ou alimento, uma cena pode muito bem ser a de buscar recursos. Caso o recurso não seja o foco de seu jogo, abstraia sem medo (assuma que há alguma fonte de água no caminho etc.). De preferência, cada cena deve passar por marcos únicos e evocativos, com algum desafio claro para que os jogadores sintam que estão, de fato, aventurando-se. É possível preparar descrições antecipadas para os pontos mais relevantes do mapa geral, evitando o risco de repetir-se ou tornar a paisagem desinteressante.
Em vez de repetir uma rotina todos os dias, role 1d6 para decidir quando o desafio ocorre. Este desafio pode ser um encontro aleatório, clima ou uma barreira natural. Cada um desses demanda testes específicos ou, em última instância, o uso da violência. Outra abordagem é incluir eventos sociais, que não precisam ser ruins, mas podem demandar uma boa interpretação para que se consiga alguma uma benesse.
1d6 | Tempo da ocorrência |
1 | Madrugada (pode-se sortear que membros do grupo estejam fazendo ronda) |
2 | Nascer do Sol |
3 | Manhã |
4 | Meio-dia |
5 | Tarde |
6 | Pôr do Sol |
Essa mecânica não é única para explorações, e tenho usado ela desde que comecei a desenvolver o Loremaster (incluindo o uso da tabela de chaves semânticas ao final para improvisar). Normalmente sorteio eventos aleatórios rolando 3d6: resultados abaixo de 9 são fáceis (ou até bons, a depender do contexto); resultados entre 9 e 10 são de média dificuldade ou dúbios (pode haver algo bom escondido no desafio, ou uma chance de negociação para evitar conflitos) e, finalmente, resultados acima de 11 são difíceis. Há uma gradação, claro. Sortear um 18 representa um desafio muito complicado, contra o qual a melhor opção provavelmente será a fuga ou contorno (veja só, podemos até empregar as regras de Call of Cthulhu aqui!).
3. Ao final do evento, o navegador do grupo faz um teste de sobrevivência para definir se os personagens conseguem progredir de cena. Não é permitido repetir o teste por meios de outro personagem na mesma cena, a menos que o mestre use regras de insistência, nas quais uma falha subsequente implica uma consequência pior.
As seguintes possibilidades se colocam:
Sucesso crítico: os personagens conseguem progredir de cena utilizando metade dos recursos necessários entre elas (ou nenhum recurso, caso o intervalo seja muito curto). Arredonde qualquer fração para baixo.
Sucesso marginal: prossegue-se na cadeia de cenas sem mais incidentes;
Falha marginal: os personagens ficam perdidos por 1 dia, gastando mais recursos ou se expondo a um encontro aleatório/desafio adicional.
Falha crítica: uma péssima notícia para o grupo. Pode ser que o navegador cometeu um grave erro de julgamento, fazendo o grupo se perder por 1d6 dias ou qualquer intervalo que faça sentido com o local/tempo de viagem total. Encontros aleatórios adicionais ficam por conta do mestre, se sentir necessidade de mais de um.
Se esta última mecânica lhe parecer excessiva, você pode considerar a possibilidade de se perder como um desafio em si em alguma cena intermediária. Prefiro dividir as etapas, mas cada um dispõe de seus temperos para realçar o sabor que mais lhe apraz. Essas ideias funcionam tanto para hexcrawls quanto para pointcrawls (aliás, tenho apreciado cada vez mais esse modo de navegação).
Há oportunidades de melhoria. Ideias são sempre bem-vindas.
Até logo e boa jornada!
Muito interessante a trajetória que o levou a desenvolver sistemas de viagens mais práticos do que hexcrawl. Percebi também em minha experiência pontos semelhantes e iguais. A mim o que mais pegou foi o excesso de rolagens e a exausta administração de recursos, além da consulta constante a estatísticas de antagonistas nos encontros.
Cheguei a uma conclusão parecida para mudar isso.
A cada 5 ou 10 dias de viagem, a depender do mestre, há 1 evento mais um. A natureza do evento é baseada numa rolagem de D6 usando os atributos clássicos do d&d.
Se caiu força, então é um desafio que exige força ou ação física, como liberar parte do caminho bloqueado por uma árvore ou um combate. Sabedoria,…